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segunda-feira, 28 de junho de 2021

A Jabuticabeira


 Meu negócio sempre foi subir em árvores. E de todas as árvores, a que mais gostava era a jabuticabeira. Havia uma no pátio do Instituto Pernalonga. Eu tinha seis anos. A gente subia e brincava de um tipo de pega-pega em que as meninas deveriam ir atrás dos meninos. Eu era um mico leão. Em cima da jabuticabeira ninguém me pegava, ah não. A não ser uma certa menina que eu gostava, que eu deixava de propósito me pegar. Deixava e a fazia acreditar que tinha conseguido por seus próprios méritos. Ela ficava feliz e orgulhosa, mesmo sabendo que era de mentira. Eu sorria para ela, ela sorria de volta. Ela era a minha musinha, e aquele era o nosso joguinho.

A jabuticabeira era imensa. Havia passagens e atalhos entre os galhos para se chegar ao outro lado daquele colosso. Lembro-me de admirar a complexa rede de galhos, que partiam quase do chão e iam se emaranhando e se estreitando até chegar nos galhos finos e altos, onde jabuticabas enormes, cobiçadíssimas, pendiam com brio. A gente ia até o limite de sustentação, balançava para lá e para cá e esticava o bracinho até quase se esborrachar no chão.

 

Lembro-me da sensação de encostar na árvore, de sentir sua temperatura geladinha, refrescando nossa pele no verão, isso sem falar da maravilhosa sombra que oferecia. O som das nossas vozes também era diferente quando estávamos no meio dela. Era abafado, fazia a gente querer mais conversar do que brincar.

 

As jabuticabas maiores eram super doces. As verdes eram menores e tinham gosto azedo. Outras eram murchas, e tinham gosto de coisa podre. Eu tinha dois amigos na época e ali era nosso lugar de encontro antes da aula, durante o recreio e antes de ir para casa. O resumo da nossa vida era classificar jabuticabas e admirar de cima do galho o nosso mundinho escolar.

 

Atravessei os quatro anos de escola primária sentado nas asas da jabuticabeira com a cabeça nas nuvens. Jamais despenquei de lá de cima. Foi o meu mundinho que um dia, sem aviso, despencou na minha cabeça.

 

Refletindo sobre aqueles anos, acho que a relação com a jabuticabeira durou enquanto durou minha ilusão amorosa com a menina do pega-pega. As duas acabaram juntas e concluíram um capítulo na minha trajetória rumo ao amadurecimento. 

 

Na época com seis anos, fiquei azedo como uma jabuticaba verde. Viveria ainda muitas frustrações amorosas durante a infância e adolescência, e também na vida adulta. Em todas as vezes eu teria preferido me esborrachar ao pé da jabuticabeira a reeditar o martírio doloroso do desamor.

 

Hoje, olhando pelo retrovisor do fusquinha da vida, percebo que aquela sofrência toda não foi tão ruim afinal. Fui virando uma jabuticaba menos azeda com o tempo. Meu sabor foi ficando mais doce. Assimilar a dor de não ser amado gerou a seiva que me transformou; que me fez tornar uma daquelas jabuticabas grandes e admiráveis, que balançam com brio lá na ponta mais fina do galho.

 

Hoje já não subo mais em árvores. Apenas as abraço quando vou ao parque do Ibirapuera. Estou a caminho de virar uma jabuticaba murcha e espero não perder a doçura jamais. Assim, dedico este par de linhas aos jovens que nunca tiveram a chance de subir numa jabuticabeira: na falta das jabuticabeiras, as mangueiras também são excelentes para subir. A diferença é que na mangueira um tombo basta para resolver sua vida amorosa.

 

 

 

 

 

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