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sábado, 27 de outubro de 2007

Márcio e Nós


Chegamos à aldeia indigena Tonendé Porã, em Parelheiros, periferia de São Paulo por volta das 11h .Era quarta feira, 17 de Outubro. Éramos eu, Iara, Cris, Felipe, Karina, Marjike e o motorista da Van. Fomos ver se a aldeia guarani poderia ser palco de uma ação social com adolescentes em 2008. Esperava-nos o líder comunitário "Márcio" (Como seria seu nome em Tupi?). Cumprimentos iniciais, e fomos direto ao ponto: "Gostaríamos de ajudar. Temos 150 pessoas. O que vocês estão precisando?"
Márcio ouvia. "Vocês têm paredes para pintar?" , Muros para construir?", "Gostariam que suas crianças participassem de oficinas de artes, música, teatro"... Márcio escutava. Após dez minutos de constrangimento e impasse, alguém sugeriu: "Porque você não nos mostra a aldeia? Assim podemos ter outras idéias..."Ainda sem falar, Márcio levantou-se e saiu da sala. Seguimos. Fora do centro comunitário, vi duas crianças. Sem hesitar, puxei meu celular e bati uma foto. "Sem fotos", disparou nosso anfitrião. Chamava atenção a sujeira ao redor. Crianças jogavam futebol no campinho. A decoração indígena do centro cultural se sobressaía . Era inevitável a sensação de constrangimento, de estar invadindo, de não ser bem-vindo. "Meu Deus, como trazer 150 adolescentes aqui, se seis adultos comportados já causam transtorno?", pensei. Numa porta escura, Márcio lascou: "Aqui lugar sagrado. Não pode entrar". Mais à frente, um grande salão. Pensamos que ali poderia acontecer alguma atividade com os adolescentes. "Aqui é para artesanato." "Mas não poderíamos usar esse espaço para... "Não. Aqui só para artesanato". Eventualmente cruzávamos com "locais" e ouviamos, curiosos, diálogos em tupi.

Fomos conhecer uma escola mais abaixo da aldeia, onde haviam salas. dentro do banheiro masculino, duas aranhas enormes pendiam do teto. Desisti de fazer o que fui fazer ali. Perto, outro salão abandonado. Imundo. Caindo aos pedaços. Na volta, enquanto Cris e Karina apreciavam o artesanato local, cachorros se roçavam no terrão de um barranco, ao lado da casinha de pau a pique.Perguntei ao Márcio: "Mas Márcio, afinal, o que vocês índios guarani realmente querem?" "Somos 25 mil no Brasil. Já fomos milhões, donos do país. Hoje só queremos respeito e um modo de vida ". Ah, e dinheiro. Você tem algum ?" O rancor em seus olhos era evidente. Fui capaz de entender o sentimento dele? Não. Não fui. "Qual é a dele?" pensava. Nós não éramos os inimigos, pelo menos não nos considerávamos! Chegamos com a melhor das intenções. Será mesmo? Depois pensei: "Primeiro, tiramos desse povo tudo o que tinham e amavam. Seu modo de vida, terras, habitat. Um belo dia chegamos com a cara limpa e perguntamos: "Como podemos ajudar?" "Do que vocês precisam?".Sim, respeito é uma resposta que faz sentido agora. "Os mais velhos dizem que estamos nessa região há mais de duzentos anos", continua o Márcio. "Os velhos não falam português. As crianças hoje estão aprendendo o tupi e o português. Faz muita falta o português". Na aldeia, vende-se artesanato e mudas de plantas. Essa é a principal atividade económica. Na cidade vendem na rua e são confundidos com indigentes.

Senti intuitivamente que o ressentimento declarado pelo Márcio se justifica, mas está "turbinado" por um discurso ideológico revelado no subtexto. O discurso pós-moderno pluralista/relativista corretamente tenta inserir as minorias à sociedade, mas lhes provê uma cartilha ideológica às custas de inevitável vitimização. "Vocês brancos foram e são a nossa desgraça". É isso que está dito nas entrelinhas da fala do Márcio. Isto é estimulado pelo retro-romantismo cultural, que eleva o índio a um estado de "pureza", e celebra a imagem do "nobre selvagem" como representante de um tempo paradisíaco, onde tudo era "mais belo e natural". A pseudo-solução da volta à natureza. Canções de Caetano, Jorge Benjor, Renato Russo, personagens como Peri, Pocahontas, e a pequena Tainá estimulam essa imagem em nosso imaginário. Não há o reconhecimento de que o contato com o branco, para além da aculturação, trouxe coisas novas à comunidade. Há uma negação sistemática de empatia, mesmo frente à boas oportunidades, como àquela que oferecíamos. O "estado branco" lidou com sua "meaculpa" construindo ali 15 casas de alvenaria, com motivos de decoração extraídos da cultura guarani. Destoam das tradicionais casas de pau a pique originais. A comunidade também tem acesso à computadores, celulares, tratamento médico e odontológico, assistência social. E a expectativa de vida, embora sem dados mas com certeza, é maior agora do que na época anterior ao homem branco.


A pureza de identidade e a vida natural desejada pelo Márcio já não é mais possível. Exatamente como na sua admirada natureza, e como em todo lugar, tudo se mistura e muda e se adapta o tempo todo. Assim como o homem branco, assim como a tribo rival, o povo guarani também guerreou por territórios, escravizou e subjugou inimigos.
Percebendo o seu desejo de ser deixado em paz, ou de ser pago para "nos satisfazer" em nosso intuito de ajudá-los, subimos na Van e fomos para casa, pensando num outro projeto para os nossos adolescentes exercitarem a sua ainda incipiente cidadania, tentando estar há altura de entender o ponto de vista de um homem índio, pobre, brasileiro e estrangeiro.

Um comentário:

Maristela Stamato disse...

Olá André!

Há mais de 200 anos, Rousseau dizia que o homem era bom por natureza, mas estava submetido às más influências da sociedade (imagine agora, com uma sociedade pós-"moderna"...).
Num país tão grande e desigual como o nosso, fica difícil acreditar na recuperação da dignidade indígena. Porém, você e seus amigos estão fazendo alguma coisa, portanto, nós é que temos que lamentar a nossa apatia!!!

Bjs,
Téia (amiga da Gis)