A opção pela abordagem camerística, com apenas quatro instrumentos, todos acústicos, resultou numa sonoridade leve, flutuante, quase matinal. Há uma delicadeza nas interpretações; na dança entre a flauta e o cello. O timbre do violão reforça esta fluidez fulgás de sons em perfeito diálogo e de afinação impecável. A ausência de baixo e bateria permitiu às canções nuances de dinâmica e de agógica impossíveis de serem executadas na presença da tradicional “cozinha” rítmico-harmônica.
Um bom exemplo destes detalhes poderá ser encontrado na interpretação da Ária (Cantilena) das Bachianas Brasileiras número cinco de Villa Lobos. O quarteto opta por um staccato na frase introdutória, ao invés do tradicional ligado. O moto-continuum das cordas no arranjo de Villa se transmuta num violão lamentoso, cheio de accelerandos e diminuendos. Mini- fermatas, como aromas, se sucedem, enquanto passeamos pela partitura.
O repertório não autoral dá preferência àquelas canções menos gravadas e conhecidas de medalhões da MPB como Tom Jobim, Edu Lobo e Chico Buarque: são como “canções do lado B”, dos tempos do vinil. Olha Maria, de Chico Buarque, Vinícius de Moraes e Tom Jobim, com seus arpejos modulantes, Chovendo na Roseira, de Tom Jobim (nem tão desconhecida assim), Bons amigos de Toninho Horta e a minha preferida: Choro Bandido, de Edu Lobo e Chico Buarque, em belíssima interpretação.
Não tem jogo fácil aqui. Os músicos chamam para sí a responsabilidade e encaram harmonias intricadíssimas, como adolescentes rebeldes que saem numa noite de sábado para arrumar encrenca para sí. Para os músicos, assim como para os jovens delinquentes, a encrenca significa diversão garantida.
Numa primeira leitura, a marca da “sonoridade” deste trabalho será encontrado na busca do equilíbrio entre os quatro timbres, que são lançados aos quatro ventos numa dança ao mesmo tempo dionísica e apolínea; ao mesmo tempo deleitosa e sistemática. A alternância do protagonismo melódico, poderiam precipitados ouvintes auferir, é a tônica da coisa.
Não para mim. Explico. Os quatro amigos se alternam e se complementam. Sim, tudo se expõe ali: contrapontos trocando a flauta pelo cello. Indo e voltando. Solos trocando o violão pelo piano. Indo e voltando.
As principais inovaçôes deste disco não estão nos seus standarts, mas em três de suas quatro obras autorais. A nova “sonoridade” buscada pelo grupo até no nome encontra seu ponto de maior brilho quando explora o próprio código musical; em suas composições originais, com vocação para o experimental; em suas soluções musicais não convencionais, que descartam o caminho mais fácil e arriscam novas sonoridades via código musical per se.
As quiálteras melódicas e harmônicas ousadas de Chorinho para ela; as quiálteras e arpejos equilibradas de Chorinho sem choro; os fragmentos melódicos, os paralelismos de intervalos abusados, a colagem sonora e o nome genial de Bye on. Eis os diamantes deste disco, emoldurados por belíssimas pepitas - faixas com seus contrapontos alá ponto-saque-roda de voleyball.
Presente de aniversário fecha o disco, na minha opinião, dando um descanso menos dissonante aos ouvidos. A Hard Day’s Night soa como faixa-bônus. Tem dificuldade em dialogar com as outras por sua constrangedora simplicidade. Empresta ao repertório, por outro lado, uma ausência de preconceito estilístico. Como se Paul MCartney tomasse um chopp com Villa Lobos e Toninho Horta. Como se o Liver"Paul" fosse goleado por um combinado “América do Rio - América de Minas”, os times do Villa e do Toninho.
Este formidável disco do grupo Quarteto Sonoro colabora, portando, para demolir um pouquinho a alta parede que separa o erudito do popular; Mesmo em suas peças menos sublimes (Da cor do Pecado ou Ana Luiza) o grupo demonstra maturidade técnica e sensibilidade interpretativa. É audição a ser apreciada de pouquinho em pouquinho. Com fondue de chocolate e vinho do porto.
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