Ao lado: Partitura do estudo número um para violão solo de Heitor Villa-Lobos.
Inauguro Blog sobre música dedicado aos meus alunos de violão. Sempre tive dificuldades em encontrar material bom na internet sobre violão.
Fui orientador do aluno Eduardo L. em seu trabalho académico sobre o Villa-Lobos .Ele fez uma pesquisa sobre a influência da obra do Villa no mundo do violão e no contexto musical geral do séc. XX. Villa-Lobos , além de ser nosso maior compositor, é uma referência forte no mundo do violão (que é uma tribo à parte no meio musical).
A obra completa para violão solo é composta pelos cinco prelúdios, os 12 estudos, choros número um e a suite popular brasileira. São tocadas em toda parte. Os estudos se destacam por sua originalidade sonora e dificuldade técnica. Quando pego meu violão e tenho um tempo maior para estudar, costumo tocar os três primeiros estudos dessa série. Não são exatamente fáceis de interpretar. O envolvimento do mestre brasileiro com o violão foi estimulado pelo encontro inusitado com o violonista espanhol Andres Segovia, em Paris, 1923. Segóvia já era reconhecido como o maior concertista do mundo. Na época, ele procurava repertório inédito para tocar, pois todo o repertório conhecido ele já havia interpretado. Os dois ícones foram apresentados numa festa de uma amiga em comum. Segue uma descrição do Segóvia desse primeiro encontro (Extraido do livro de Marco Pereira - ""Heitor Villa-Lobos e sua obra para violão".Musimed.1984).
Dentre todos os convidados daquela noite, o que causou maior impressão ao entrar na sala foi Heitor Villa-Lobos...Quando terminei minha apresentação, Villa-lobos aproximou-se e disse: 'Também toco violão'. 'Maravilhoso', respondi. 'Então és capaz de compor diretamente para o instrumento'... Estendendo-me as mãos, pediu-me o violão. Sentou-se, atravessou-o nos joelhos e segurou-o firmemente de encontro ao peito, como se temesse que o instrumento lhe fugisse. Olhou severamente para os dedos da mão direita, como ameaçando-os de castigo por ferir erroneamente alguma corda. E quando menos se esperava, desferiu um acorde com tal força que deixei escapar um grito, pensando que o violão tinha se despedaçado. Ele deu uma gargalhada e com uma alegria infantil disse-me:'Espere, espere'...Apesar de sua incapacidade para continuar, os poucos compassos que tocou foram suficientes para revelar primeiro que aquele mau intérprete era um grande músico, pois os acordes que conseguiu produzir encerravam fascinantes dissonâncias, os fragmentos melódicos possuíam originalidade, os ritmos eram novos e incisivos e até a dedilhação era engenhosa...No calor desse sentimento nasceu entre nós uma sólida amizade...
Na descrição do episódio feita por Villa-Lobos vemos outra cena:
Encontrei Segóvia em 23 ou 24, não me lembro bem, na casa de Olga Moraes Sarmento Nobre. Havia uma 'princesada' lá. Vi um moço de vasta cabeleira, rodeado de mulheres. Achei-o besta, pretensioso, apesar de simpático...Segóvia falou que achava minhas obras anti-violonisticas e que eu tinha usado recursos que não eram do instrumento. O Costa (amigo) falou: 'Pois é, Segóvia, o Villa-Lobos está aqui'. Eu fui logo me chegando e dizendo: 'Porque é que você acha minhas obras anti-violonisticas'? Ele, meio surpreso..explicou que por exemplo, o dedo mínimo direito não era usado no violão clássico. Eu perguntei: 'Ah, não se usa? Então corta fora, corta fora'! Segóvia ainda tentou rebater mas eu avancei e pedi: 'Me dá aqui seu violão, me dá'! O Segóvia não empresta o violão a ninguém e fez força. Mas não adiantou. Eu sentei, toquei e acabei com a festa.... No dia seguinte ele apareceu lá em casa com o Tomas Teran... Ele me encomendou um estudo para violão e , foi tão grande a amizade que nasceu entre nós que em vez de um eu fiz doze: Doze estudos para violão...
Partitura e Interpretação.
O Estudo é o primeiro da série de 12. Serve para fortalecer a mão direita. Apresenta um padrão de digitação repetitivo e uma sequência de acordes com a mão esquerda. Não há melodia. Nem variações rítmicas. A harmonia guia a interpretação, dá a dinâmica no encadeamento de acordes, respirações e repousos. Atente para o dedo anular da mão direita. Procure sempre ouvir a nota tocada com esse dedo. No trecho inicial (até o compasso 12), a harmonia sugere um leve crescendo, que acompanha o movimento cromático do baixo. No trecho central (compassos 12 a 23), atente para o ruído que o deslizamento dos dedos da mão esquerda entre as casas provoca, conforme desce pelo braço. Crie aí uma dinâmica com um leve "decrescendo". No trecho de arpejo cromático, quando a digitação sai do padrão de dedilhado para percorrer o braço, faça uma respiração antes de ir à casa 12. Explore as várias possibilidades de digitação para a frase até encontrar uma que funcione para você. Mantenha as mãos relaxadas e uma boa postura sentada. A sequência final é feita com harmónicos naturais na casa 7, 12 e 5, nessa ordem.
Quatro visões de interpretação violonística:
Segóvia em pessoa, já velho, e sem muita vitalidade. Faz um descanso para entrar no compasso 13 e segue com decrescendo. Respira no final do arpejo com cromatismo.
Antonio de Innocentis. Mostra boa técnica e força na mão direita. Uma interpretação mais reta, sem dinâmicas ou agógicas. repete o arpejo com cromatismos, talvez por ter "comido" notas. Toca toda a peça em um minuto e cinquenta.
Giulio Tampalini. Ótima sonoridade e projeção do som (ótimo instrumento). Faz um crescendo na primeira parte. Respira no início do compasso 13 e segue em "piano - decrescendo". Não faz respiração na frase central, como Segóvia.
Raphael Rabelo. Faz um samba/improviso interessante, acompanhado por uma sessão de percussão.
2 comentários:
PARABENS pelo seu blog, e pelo seu bom gosto...coisa rara de encontrar nos dias de hoje.
Vou continuar a fazer visitas a este blog.
Um abraço
Madalena Villa Lobos
PARABENS pelo seu blog e sobretudo pelo seu bom gosto.
Madalena Villa Lobos
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